Aquela segunda-feira tinha sido incrível. No trabalho eu tinha superado todas as expectativas e às 16h eu já estava indo para o estacionamento pegar o carro para ir pra casa.
Meu trajeto casa – trabalho – casa – dura cerca de doze minutos pela manhã e normalmente cerca de quinze no final do expediente.
Porém, naquela fatídica segunda-feira, dia 8 de dezembro de 2025, eu só chegaria em casa quatro horas depois do habitual.
Sem precisar me preocupar em encontrar uma vaga na frente de casa e tampouco lembrar de apagar os faróis do carro.
Até porquê, infelizmente, eles nunca mais seriam ligados novamente…
“Sorry sir, your car is total loss and I still can’t believe that you didn’t have any scratch, it’s a miracle!”.
“Sinto muito senhor, seu carro deu perda total e ainda não acredito que o sr não se machucou, é um milagre!”
Ouvi esta frase do meu médico de família, do funcionário que se encarregou dos papéis para a demolição do carro, de um dos dois policiais que vieram me socorrer e também do rapaz que teve que içar e retirar o carro do fosso entre as duas pistas que eu me acidentei.
Era uma curva leve, nada demais…
Não estava chovendo e nem nevado naquele dia.
Entrei na curva da mesma forma que eu fizera por três meses desde que comecei a trabalhar nesta nova empresa, inclusive no dia do acidente eu completei estes 90 dias trabalhando por lá.
Logo no início da curva, senti o carro sbandare para a direita e percebi que inevitavelmente eu bateria no guardrail.
De forma instintiva, puxei o volante para a esquerda e aí aconteceu o pior que poderia acontecer: o carro rodou completamente à esquerda tirando das minhas mãos qualquer controle que eu pudesse ter…
Foi então que eu descobriria que a vida realmente imita à arte. Ou vice-versa.
Lá parecia eu dentro de um filme vendo pelo parabrisa do meu carro o horizonte fazendo a curva, endireintando-se rumo ao guardrail da lateral esquerda da estrada.
Naquele milésimo de segundo, eu achei que ia bater a parar.
Mas o Universo quis que o filme fosse ainda mais fantástico e com muito mais aventura.
O carro bateu e, voando por cima do guardrail, capotou uma vez, depois a segunda vez e parou no meio da vegetação que espero tenha sido criada para tal fim e não por uma mera estética paisagística.
E eu ali, acompanhando todo este filme em tempo real…
É muito louco lembrar daqueles momentos, pois eu conseguia ver as coisas dentro do carro também voando comigo, das moedas que usamos no lava rápido que estavam no porta-copos até os penduricalhos que estavam por ali aguardando algum destino.
Foi então que de repente tudo ficou em silêncio e eu vi uma fumaça branca saindo na frente do carro.
Teria eu morrido?
Eu continuava com as duas mãos no volante quando comecei a balbuciar em inglês “fuck, oh God, fuck, oh my God, what happened?”
Meu óculos estava um pouco torto, machucando meu rosto. O tirei, vi que não tinha quebrado nenhuma lente e o coloquei de volta no rosto.
Tentei abrir a minha porta, mas ela estava emperrada!
Comecei a procurar meu celular e não o encontrava.
Aí me bateu o desespero, porque sem ele como eu pediria ajuda?
Olhei pela janela e vi que eu estava em algum lugar fora da estrada, mas ainda não tinha entendido onde.
Foram segundos desesperadores até encontrar o celular que estava caído embaixo do meu banco.
Tirei o cinto, pulei pelo banco e consegui abrir a porta do passageiro. Que alívio!
Só então eu me dei conta de onde eu estava:

Eu estava alguns metros barranco abaixo e conseguia ver a estada lá em cima.
Fiquei esperando alguns segundos para ver se alguém apareceria e nada.
Pensei: alguém viu o que aconteceu e vai chamar socorro.
Mas os segundos se passaram e ninguém apareceu.
Resolvi sair do carro e ligar para 112, que é o número de emergência geral aqui na Europa.
Nisso eu vejo essa mensagem da minha linda esposa:

Um áudio pedindo pra eu passar no supermercado para comprar algumas coisinhas e o comentário sobre o Niels, um colega meu de trabalho que tinha dito que iria passar lá onde ela trabalha.
Fuck, ela vai ficar desesperada de preocupação quando souber o que aconteceu… pensei imediatamente.
Saí do carro e, enquanto tentava subir o barranco, disquei 112 e esperei o atendimento.
“Para neederlandês, disque 1; para francês, disque 2”.
Cliquei no 1 e, quando atenderam, já perguntei se a pessoa falava inglês. Após a confirmação positiva, expliquei o que tinha acontecido e fui redirecionado para a polícia.
Poucos segundos depois o policial me atendeu já falando em neederlandês, eu pedi para falar em inglês e expliquei, novamente, o que tinha acontecido.
Eles chegaram em pouquíssimos minutos, junto com o guincho:
Após as costumeiras perguntas, pediram meus documentos, teste de bafômetro, informações do seguro e toda aquela burocracia que eu jamais tinha tido, pois esta é a primeira vez que eu tenho um acidente de trânsito desta forma.
Preciso dizer que uma das coisas mais incríveis que aconteceu foi a gentileza que os policiais me trataram.
A todo momento procuraram me acalmar, explicando que iriam me ajuda com todos os procedimentos em relação ao guincho, ao seguro e tudo mais relacionado.
Foi então que chegou outro guincho, para “içar” o carro lá debaixo.
Neste momento, um dos funcionários da empresa chegou e, ao ver o estado do carro, olhou pra mim e perguntou: “você tava lá dentro?”.
Yes!
E tá tudo bem contigo?
Aparentemente sim…
Holly shit! Graças a Deus…
Yep man!
Depois do resgate
Carro devidamente posto no guincho, eu cheguei pro pessoal e disse:
Humm, pessoal e agora? O que eu faço?
Me explicaram que iriam me levar junto com o carro até o depósito deles, e me ajudariam a ligar para o seguro e ter um táxi enviado por eles para me levar para casa quando eu chegasse por lá.
Tudo aconteceu de forma excepcionalmente rápida e, às 18h30 o táxi chegava e me levava embora dali.
Cheguei pouco antes das 19h em casa, e foi então que eu vi que meu rosto estava machucado por causa dos óculos:

Aproveitei para procurar outros machucados, mas eu descobriria que o pulso torcido e alguns lívidos pelo corpo só apareceriam nos dias seguintes.
O pós acidente
Conversei na empresa e me disseram para cumprir com as devidas burocracias, avisar quem tinha que avisar, inserir no sistema as informações necessárias e então pedir “sick day” por causa do acidente.
Já na manhã seguinte ao acidente, fui no meu médico de família, que me examinou, pediu um raio-x do pulso (feito uma hora depois no hospital e já com o resultado negativo de nenhum osso quebrado em mãos!) e me deu um atestado para permanecer em repouso – e em observação – pelo resto da semana.
Como disse anteriormente, apareceu uma mancha de pancada na parte externa do meu braço esquerdo e outra inexplicável no meu bíceps também esquerdo.
E o pulso torcido melhorou cerca de três dias de repouso após o acidente.
Durante este tempo, eu consegui resolver todas as pendências de forma prática: carro devidamente reciclado, baixa na placa e nos documentos do veículo e seguro encerrado.
A última coisa que faltava era um novo meio de transporte para poder voltar ao trabalho na próxima segunda-feira, já que a empresa fica há cerca de 11 quilômetros de casa.
Isso foi resolvido na sexta-feira dia 12 de dezembro, quando chegou a minha possante e-bike – minha nova companheira de aventuras até a compra de um novo carro.
O que fica deste acidente pra mim…
Durante essa semana, eu percebi que é natural as pessoas pensarem em tudo que poderia ter acontecido…
E se eu tivesse me machucado e ficado desacordado, quanto tempo demorariam para me achar lá embaixo?
E se eu não tivesse conseguido chamar socorro?
E se eu tivesse ido parar no hospital?
E se eu tivesse ficado imobilizado momentaneamente ou permanentemente?
E se eu tivesse morrido? O que seria do meu amor aqui sozinha?
Confesso que nenhuma destas perguntas passou minimamente pela minha cabeça. Em momento algum.
É bastante provável que algumas, ou até mesmo todas estas dúvidas, tivessem me ocorrido em outro momento da minha vida.
Porém, no capítulo atual que estou vivendo, ao invés de pensar “e se“, meus pensamentos vão para “aconteceu, foi assim e ponto!“.
O mais importante é que estou vivo e praticamente sem nenhum arranhão, porca miseria!
Quando me perguntam o que aconteceu para a perda da direção, a minha resposta honesta é: e isso lá importa?
Vai mudar alguma coisa eu saber se foi a pista escorregadia ou alguma peça que possa ter quebrado no carro?
A propósito: o rapaz do guincho me disse que eu era a 21ª vítima que se acidentou naquele dia, todos praticamente perderam a direção e eles disseram que o motivo era que as pistas aqui no norte da Bélgica estavam escorregadias.
Alguns poderão dizer que é por conta do mercúrio retrógrado ou qualquer outra crença.
O fato é que, pra mim, não importa como aconteceu e o que aconteceria se…
O que importa é que eu estou aqui, vivo, praticamente sem nenhum arranhão, lembrando da minha fé inabalável em Deus e na minha querida Madonna di Loreto, que sempre estiveram ao meu lado me protegendo.
Ou vocês vão dizer que essa imagem significa o quê, então?
Olha ali o meu lado do carro, intacto. Nem o vidro quebrou!
Usando as doces palavras da minha linda esposa, foi “como se eu estivesse sido embalado durante o capotamento, sendo assim então protegido“.
E eu verdadeiramente acredito nisso!
Conclusão
Acho bastante apropriado neste momento citar o ditado popular “vão-se os anéis e ficam os dedos“,
Perdemos o nosso “bibizinho”, cuja história vocês já tinham lido aqui neste artigo.
Italiano DOC, nos trouxe da Toscana para esta cidade linda que amamos morar, que é Bruges.
Passamos por inúmeras aventuras juntos e chegou a hora de dizer adeus.
Assim como a vida, que todos sabemos que é finita, embora muitos tenham problemas para aceitar essa verdade inconteste.
No meu caso, não chegou a hora de dizer adeus.
Continuo aqui, firme e forte, agora ainda mais consciente do tamanho da proteção que eu tenho lá de cima.
Obrigado a todas as mensagens de carinho e preocupação.
Bóra pra frente, que 2026 tá logo ali.
Um enorme abraço e até o próximo post 😊.